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Entrevista Tânia Granussi (Atriz, Mulher Trans e PCD Visual)

Hoje, 20 de Maio, às 20h, teremos a estréia do tão aguardado Sarau do nosso Canto de Integraçao de Todas as Artes (CITA). O Sarau ReCITA estréia com uma edição mais que especial dentro do projeto Acess'art. Um projeto onde nós, do Espaço CITA, estamos nos preparando para receber artistas e o público PCD, e desenrolando uma série de formações e reformas no espaço para que possamos cada vez mais ser um espaço além de plural, também acessível a todes.


Nesta primeira edição teremos 4 convidades, e uma destas convidadas é a Tânia Granussi, Mulher trans, PCD visual, orientadora, diretora teatral e atriz do Coletivo Há-Manas. Ele trará a sua performance INÉDITA "Sa(n)grado".


Direção: Esther Antunes

Interprete: Tânia Granussi


Release:

Cada um sabe o que faz...

Uma promessa e uma dívida...

Eu sou maior que essa ampulheta entornando...

Eu não preciso de sonhos...

Indiferença...

Xingamento...

Agressão..

Morte...

Tudo SA(n)GRADO!




Hoje trazemos para vocês 2 "falas" da Tânia que muito nos enriqueceram e serviram de aprendizado para essa caminhada que o CITA e seus colaboradores estão.


Conheçam um pouco mais nossa convidada, e aguardamos vocês hoje, 20 de Maio às 20h, aqui na priemira edição do Sarau ReCITA.



 

Tânia Granussi


ESPAÇO CITA: Conta pra gente um pouco da sua trajetória dentro do teatro. Quando, como e por que você embarcou nessa jornada?

TÂNIA – Eu tenho 51 anos, sou uma mulher travesti e sou uma pessoa com deficiência visual. Tenho visão monocular em um dos olhos e no outro, apenas 20% da visão com irregularidades na córnea. Eu tive contato com o teatro há mais de 30 anos na USP e em seguida fiz artes cênicas na Unicamp. Mesmo sendo atriz e diretora, eu tenho um perfil de trabalho mais associado à formação artística de base, e principalmente à atuação com pessoas em situação de vulnerabilidade social. Atuei em diversas companhias e desenvolvi trabalhos no Sesi -SP, EAD-USP, Instituto Via Cultural e atualmente estou no Programa Vocacional da SMC[i] e sou concursada na SMC de Itapecerica da Serra. Fui levada ao teatro por um desejo de construir "mundos novos" e lançar novos pensamentos sobre velhas coisas. Aprendi a importância da sensibilidade artística mesmo para pensar questões que fogem à Arte. Entendo também que o teatro resgata a potência do conceito de coletivo e do conceito de representatividade. E numa realidade atual brasileira em que vivemos uma crise de representatividade, talvez o teatro nos desperte novas perspectivas de atuação. Como travesti, o teatro é o lugar que permite me reconfigurar, me incluir, ser aceita, parir váries filhes e constituir uma diversidade de famílias. Como uma artista com deficiência, além de reafirmar a importância do que foi relatado antes, posso dizer que é a Arte que me oferece olhos criativos poderosos para enxergar aqui e além. É a arte que me possibilita dizer EU VEJO, EU POSSO FAZER VOCÊ VER TAMBÉM. O conceito de enxergar ganhar sua verdadeira amplitude. Tenho uma dívida de gratidão por todes que enxergam ao meu lado, todos aqueles que formam essa rede de apoio comigo, artistes e não-artistes.

ESPAÇO CITA: Vamos falar de políticas públicas voltadas ao artista PCD. Confesso que mesmo sendo um articulador da cultura (e aqui falo também com um filho de cadeirante), nunca ouvi falar de uma política que fomente o/a artista PCD. Acredito que, somente há pouco mais de 2 anos os editais do Estado e Município de São Paulo incluíram "Indutores de Inclusão" em alguns editais onde, PCD's, LGBTQIA+, Negros e indígenas ganham 1 ponto no final do projeto para terem mais chances. Não chega a ser uma política pública de fato. Fora isso, tínhamos a “Virada Inclusiva”, mas que esse ano, não teremos. Você conhece algum movimento em busca disso? Acha que deveria existir um edital /premiação onde apenas artistas PCD's pudessem concorrer? Ou acredita em outro formato onde possamos fomentar cada vez mais artistas PCD's, desde a sua infância.

TÂNIA – Na verdade essa questão abre uma discussão muito mais ampla, em que vários conceitos precisam ser revisitados e aprendizados precisam ser estabelecidos. Talvez esse formato descritivo não dê conta de abarcar todos os conteúdos, mas valeria investir numa live, ou mesmo numa conferência numa próxima vez. Falarei também de “formatos de comunicação” mais para a frente. Tentarei compartilhar o que eu acho importante que as pessoas saibam, a partir da minha perspectiva de pensamento (para não dizer “ponto de vista” que é uma expressão capacitista). É bom lembrar que meu envolvimento com a questão é tão intenso que às vezes eu passo da terceira pessoa do singular para a primeira pessoa do singular muito subitamente e vice-versa – eu me vejo em todas as respostas também.

Quanto às políticas públicas para pessoas com deficiência, posso adiantar que existem sim – muitas discussões – mas que as propostas dão prioridade à saúde, à educação, à mobilidade, e depois (se sobrar tempo e paciência) talvez algumas propostas culturais sejam vistas. Estou dando o clima de votação das conferências que já participei. De fato, lutar por tudo isso JUNTO é importante. Faço essa pontuação, para que vocês saibam que muitas pessoas lutam pelos direitos das pessoas com deficiência, inclusive as próprias, e aquelas que constroem o seu marketing sobre a causa. Nas conferências que participamos, as propostas culturais parecem existir com menor importância, sendo discutidas e votadas bem no fim das conferências, num momento que a própria disponibilidade das pessoas já é menor. E menor disponibilidade de discussão, revela um descaso. E quando você restringe a importância da cultura, você restringe também o acesso, você restringe também o direito à cultura. E como é difícil lutar pela implementação de políticas culturais para pessoas com deficiência. É preciso, que antes disso, criemos e exercitemos um lugar de valoração/valorização do conceito de Cultura PCD.

Uma das primeiras dificuldades talvez resida na pequena representatividade PCD nos lugares efetivos. É importante fazer valer sempre a máxima “nada por nós, sem nós”. Se achamos que são poucos os acessos de um PCD ao mercado cultural, imagine então, o acesso a cargos públicos, esses mesmos cargos que farão com que uma pessoa com deficiência também produza e colabore com a discussão/construção de editais, e de políticas assistivas. É importante pensar na presença de PCD´s dos dois lados desta empreitada. Os poucos representantes em cargos públicos – e eles existem – acabam tendo apenas uma validade ilustrativa de caráter “consultivo”.

Quando se fala também de política pública, é preciso favorecer o acesso a esse privilégio, quando ele existe. Um exemplo disso são as ações afirmativas propostas pelo Programa Vocacional da SMC. É valoroso saber que o programa tem até uma área de acessibilidades. E isso é inovador. Gratidão por esse olhar organizacional cuidadoso. Contudo é preciso debruçar-se sobre o conceito de ação afirmativa – num ato não pontual, mas num processo de perenidade – olhar para a ação afirmativa gerando uma linha do tempo: planejá-la, instaurá-la, mantê-la contínua e implementá-la. Não basta dar acesso à contratação de um PCD apenas, é importante que a estrutura incorpore essa pessoa na sua engrenagem. Se, por exemplo, eu tenho uma pessoa surda na equipe, mas a equipe continua funcionando da mesma forma, você não está favorecendo o trabalho coletivo, sua equipe trabalhará sem um participante porque você está invisibilizando a deficiência, ou como os estudiosos dizem, você está produzindo um processo de normatização da deficiência. Tente imaginar como essa pessoa surda irá se sentir ou como ela provavelmente irá se comportar. E esse lugar é um lugar de constrangimentos permanentes, porque você precisa LEMBRAR A TODOS A TODO MOMENTO, que você é uma pessoa com deficiência, não porque você tenha restrições, mas para que as portas do sistema organizacional lhe deixe entrar, afinal, também merecemos condições mínimas de qualidade de trabalho, e queremos compor com a equipe. Outro exemplo desta normatização da deficiência, são os encontros virtuais. Se eu proponho um trabalho remoto, como tecnologia assistiva quando a equipe tem uma pessoa cega, é óbvio que a condução da reunião tem que absorver essa presença. Você faz a sua audiodescrição a cada encontro, você evita a todo custo comunicar-se por frases escritas no chat, porque excluirá essa pessoa da comunicação. Faça um pequeno esforço de empatia e coloque-se neste lugar. Este lugar exige que você provoque um aprendizado permanente. Isso tem suas limitações, e às vezes cansa porque lhe transforma numa chata “Lá vem a Tânia, mais uma vez...”

É preciso lembrar também que não existe a hipótese de universalização da deficiência. Cada pessoa tem uma especificidade. Quando se fala de política pública, você pensa em qual deficiência? Para quem? Como pensar uma política pública que preserve e favoreça essas especificidades? E principalmente qual é o formato desta lei, para que as pessoas com deficiência tenham acesso a ela. Um edital de uma política pública, precisa ser escrito para quem vê e lê, preciso ser escutado por quem não vê, e até ter uma versão em braile. Isso de fato, é dar acesso á uma política que já existe. Garantir que ela chegue a quem precisa.

E agora preciso falar de formato de comunicação. Mas especificamente pelo formato assumido para essa atividade. Não quero aqui me mostrar agressiva, nem impaciente, mas gostaria de proporcionar um aprendizado. Mais uma vez sou convocada à essa função que não serve apenas a mim, mas serve a todes. Irei começar lembrando da mãe do nosso interlocutor que é uma cadeirante. Eu preciso me policiar (empatizar) para não solicitar desta senhora, alguma atividade que vai requerer o uso das pernas, porque isso inviabilizaria a realização da atividade e não seria gentil. Pois bem, existe aqui, a Tânia, uma pessoa com deficiência visual, sendo solicitada a LER E A ESCREVER, porque descuidadamente se pensou num formato de questionário que atende apenas a um corpo padrão com todos os privilégios dos sentidos. E como foi isso? Fotografei cada parte do texto para ampliá-la na lupa, ou ampliá-la no celular. Costumeiramente isso me mobiliza mais tempo que as outras pessoas. Tive que projetar na tela da TV com amplitude gigante, para rever a condução do pensamento e fazer a revisão palavra por palavra. Graças a Deus, tenho meus 20% de visão. Mas seria muito mais complicado se eu fosse avisual. Mas também seria muito mais fácil se fosse um podcast.

Isso é aula prática (risos). Relembrando dos tópicos anteriores: Isso também é uma forma de normatização da deficiência, isso também é atender às especificidades de cada deficiência, isso também é incorporar a presença de uma pessoa com deficiência na engrenagem do coletivo de trabalho, isso também é uma implementação de uma ação afirmativa. Isso deve ser sempre, um exercício de empatia.

Sejam bem-vindes! Eu sou parceira e o contentamento por ver o Projeto Recita existindo é uma alegria imensa e supera tudo. Estamos juntes! Parabéns!


 

Serviço:


Sarau ReCITA


Com Tânia Granussi


Dia 20 de Maio, 20h


Sala Preta

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